Depois de duas semanas em Everett, Framingham e Somerville, na região de Bostoan, deixo a terra do tio Sam e retorno às terras de Santa Cruz. Entretanto, uma forte dúvida se imopõe: estou saindo dos Estados Unidos e regressando ao Brasil ou vice-versa? A pergunta se justifica pela quantidade de brasileiros que encontrei nos encontros, reuniões, retiros e celebrações realizados. Chegui e celebrar missa em português para mais de 500 pessoas, todas provenientes de Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, entre outros estados. Ah sim, não posso esquecer que havia também um punhado de imigrantes portugueses remanescentes das migrações de algumas décadas atrás.
Na celebração, podia-se constatar a presença de muitos jovens, mas também famílias inteiras e um bom número de crianças. Foi como reencontrar um “pedaço do Brasil” em plena América do Norte. Isto quer dizer, entre outras coisas, que o fluxo migratório entre o sul e o norte, embora represado pela pandemia da Covid-19, segue com relativa força. Igualmente surpreendente é verificar a alegria e o intercâmbio festivo dos brasileiros e brasileiras “em terras longínquas”. Ao contrário do que afirma o salmo 137, conseguem sim “cantar os cantos do Senhor em solo estrangeiro”. Ademais, boa parte dos imigrantes, de uma forma ou de outra, já conseguiu trabalho e moradia, deixando de herança para a família e filhos um horizonte de esperança, onde os direitos e a dignidade humana se fazem possíveis.
Duasa coisas, porém, continuam chamando a atenção. A primeira refere-se aos obstáculos e dificuldades que latinoamericanos e caribenhos em geral encontram, antes de mais nada, para agendar uma entrevista na embaixada ou consulado dos Estados Unidos, em seguida, às exigências cada vez mais rígidas de uma pesada burocracia para entrar em território estadunidense. Que o digam, por exemplo, os cidadadãs de El Salvador, Honduras e do Haiti – todos imobilizados nas fronteiras do Panamá, da Guatemala e do México. Se e quando conseguem vencer tais adversidades, o que os espera no Eldorado norteamericano, em lugar do futuro tão longa e laboriosamente acalentado, são não raro o rechaço e o preconceito, a xenofobia e a discriminação, para sequer falar das hostilidades de uma visão às vezes branca e supremacista.
Por uma parte, quantos vidas, sonhos e esperanças se estilhaçam contra os muros, visíveis ou invisíveis, da fronteira! Quantos imigrantes aí tropeçam com barreiras intransponíveis! Por outra, não têm sido poucos os voos cheios de deportados, com os ditos “imigrantes clandestinos ou irregulares”, em direção ao sul do continente, com destaque para o aeroporto internacional de Confins, em Belo Horizonte-MG. Lutas e tentativas que retornam ao grau zero, no regresso ao solo de origem e à própria família, levando no rosto, no coração e na alma a vergonha do fracasso. Sim, a dolorosa sensação de cansaço e abatimento, mas também a tenacidade vivaz de recomeçar a travessia. Não é incomum ouvir histórias de brasileiros que repetiram uma, duas, cinco e ou mais vezes a travessia rumo ao norte!
O segundo aspecto a ser sublinhado é a ampla rede familiar, comunitária e eclesial que costuma sustentar os recém-chegados aos Estados Unidos. Encontros, comemorações e celebrações festivas fazem com que os imigrantes que acabam de desembarcar logo se sintam em casa. Cruzar as portas de muitas igrejas da região de Boston – sem falar de outros localidades – é como entrar em solo familiar e brasileiro: de cara, topamos com o sorriso, o olhar amigo, o toque, o abraço e o calor humano que são marcas registradas de nossas terras tropicais. Semelhante ambiente caloroso, receptivo e de boas vindas faz uma diferença que surpreende positivamente quem pisa um chão desconhecido. Ou seja, “a multidão dos que passaram pela grande tribulação”, para usar as palavras do Apocalipse (Ap 7,9-17), mas também daquela que acabam de atravessar mares bravios, desertos estéreis e cerradas florestas.
Assim é a vida e a travessia do migrante. Ambígua e cheia de imprevistos, como a tortuosa trajetória da existência – mas, ao mesmo tempo, revestida de fê, esperança e teimosia.
Pe. Alfredo J. Gonçalves – Boston, USA, 22/03/2022