Nota de repúdio sobre o assassinato de Moïse Kabagambe

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A Missão Paz repudia com todas as forças o cruel assassinato do congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, ocorrido na segunda-feira 24 de janeiro, no Rio de Janeiro, e pede justiça pelos culpados. Ao mesmo tempo, expressa seus sinceros sentimentos e solidariedade aos familiares de Moïse e à comunidade congolesa no Brasil.

A entidade renova seu compromisso de prosseguir atuando na defesa de pessoas migrantes e refugiadas no Brasil, na criação de uma cultura de acolhida e valorização das diferenças, como também no combate ao racismo, à xenofobia, e a toda forma de preconceito e violação de direitos.

Segue o texto reflexivo escrito pelo Pe. Alfredo J. Gonçalves:

Eu Só Queria Trabalho e Pão

Nasci no Congo, me chamo Moïse Kabagambe. Estou aqui porque a violência me expulsou de minha pátria, onde estão enterrados os meus ancestrais.

Fugi e busquei o Brasil.

Esperava encontrar a paz, o trabalho e o pão para toda minha família.

Procurei transformar a fuga em nova busca. Sonhava com uma terra em que eu pudesse encontrar um solo amigo e pátrio.

Aqui, após tantas penas e dificuldades, encontrei algo para fazer. Comecei a trabalhar.

Mas a violência e a morte me esperavam na esquina, ou melhor, no quiosque da Tijuca, Rio de Janeiro.

De onde vem tanto ódio e agressividade contra os congoleses, contra os imigrantes, contra os estrangeiros, contra os que falam outras línguas e têm pele negra? De onde vem o racismo, o preconceito e a discriminação?

Não, não foram apenas alguns rapazes que me tiraram a vida. Há muito o ódio que contamina o ar. Respira-se um clima de divisão – um “nós” contra “eles” – que toma conta de todos, a começar pelas mentiras de um desgoverno que, em lugar de proteção e acolhida, semeia discórdia e violência. Depois a mídia, as redes sociais e muita gente enfurecida parece se abater sobre nós, negros e estrangeiros. Da fúria do Congo, passei a conhecer a fúria de uma nação dividida, polarizada, ainda por cima marcada pela pandemia, com seu rastro de mortes, horrores e enlutados. Por isso morri, senhores e senhoras, morri porque lutei para viver. Morri porque busquei sonhos, com fé e esperança. Morri para que outros migrantes possam ter vida e direitos, com justiça e paz.

Que o trabalho e o pão não sejam tão amargos para outros congoleses, sírios, angolanos, venezuelanos, haitianos, afegãos, e tantos outros migrantes. Foi o ódio cego e irresponsável que tiraram a minha vida. Foi uma sociedade indiferente e desgovernada que me tirou a vida. Mas os migrantes haverão de mostrar que não querem outra coisa senão trabalho, pão, paz e justiça para si e suas famílias. E para todos os países, sejam eles de origem, de trânsito ou de destino. Nomes, rostos, línguas e histórias diferentes haverão de mostrar que as diferenças, longe de nos dividir e nos empobrecer, só podem nos enriquecer. Em nome dos migrantes de todo mundo, lutamos por uma cidadania que esteja acima de qualquer fronteira. O mundo é a pátria de cada pessoa humana, pois é ele que nos dá o pão e a paz. Não condeno apenas as mãos que me golpearam até a morte. Condeno os que jogam os pobres e migrantes contra os próprios pobres e migrantes, com suas leis de segurança nacional, com sua economia voltada para lucro, consumo, acumulação e exclusão social. Toda pessoa humana tem direito a migrar, a trabalhar e a lutar por seu sonho de melhor futuro. Vida em primeiro lugar!

 

A ilustração na capa é de Cristiano Siqueira.